CAPÍTULO III
MAX WEBER
Embora Max
Weber não seja muito conhecido fora do âmbito das ciências sociais, na
sociologia ele é considerado um clássico de primeira grandeza. Ao contrário de
outras teorias que hoje apresentam sinais de crise, o pensamento de Max Weber
tem sido bastante relido na atualidade,
proporcionado para a sociologia
instrumentos muito úteis para a compreensão de seus próprios fundamentos
e para a interpretação do mundo moderno.
Além de
criticar os pressupostos do positivismo
(fornecendo para a sociologia novas bases epistemológicas e metodológicas),
Weber realizou um cuidadoso estudo das religiões mundiais, mostrando que a
marca fundamental da modernidade é a racionalização da cultura e da sociedade.
Para Weber, a razão humana, na versão
encarnada pela economia capitalista e na
burocracia do Estado, é uma força que, ao mesmo tempo em que “desencanta” o mundo,
invade todas as esferas da vida humana, ocasionando a perda da liberdade e do sentido da vida.
|VIDA E OBRAS
|
O sociólogo alemão
Max Weber, nasceu em Erfurt, em 21 de abril de 1864. Filho de um advogado,
Weber realizou seus estudos em Heidelberg, a partir do ano de 1882. Embora
tivesse seguido a carreira jurídica,
também estudava filosofia, teologia, história e economia. Em 1889, ele terminou
seus estudos, tendo obtido o doutorado em direito no ano de 1891.
Terminada a fase
de estudos, Weber passa a se dedicar a docência universitária. Foi professor de
direito em Berlim (1891-1893), de economia política em Friburgo (1895) e,
finalmente, também de economia política em Heidelberg (1896).
No ano de 1897,
Weber foi acometido de uma crise nervosa, que durou até 1902. Somente neste
ano, ele vai retomando, aos poucos, seu trabalho. Em 1903, ajuda a fundar o “ Arquivo para a ciência
social e a ciência política”, que se tornou uma das principais revistas de
ciência sociais. Em 1904, Weber fará uma viagem de estudos para os Estados
Unidos que vai influenciar diretamente sua reflexão sobre o capitalismo. É a partir
deste período que Weber passa a se interessar mais diretamente pela sociologia.
Em 1907, o pensador alemão recebe uma herança que permite que ele se
dedique apenas às suas atividades de pesquisa. Sua casa torna-se um centro
freqüentado por intelectuais de renome, como Georg Lukács, Georg Simmel e
outros. Em 1908, Weber ajuda a fundar a associação alemã de sociologia. Durante
a primeira guerra mundial (1914-1917),
administra alguns hospitais da região de Heidelberg. Em 1918, aceita uma cátedra na Universidade de
Munique. Weber ainda participa da redação da nova Constituição Germânica que
funda a República da Alemanha (chamada de Constituição de Weimar, cidade onde
foi redigida). Seu falecimento ocorreu no ano de 1920, na cidade de Munique.
Entre os escritos
de Max Weber, além de textos sociológicos, aparecem obras de epistemologia,
história, direito e economia.
• 1891 – História
agrária de Roma e sua significação para o direito público e privado
• 1894 - As
tendências da evolução da situação dos trabalhadores rurais da Alemanha
Oriental (pesquisa)
• 1895 – O Estado
nacional e a política econômica (Conferência)
• 1904 – A ética
protestante e o espírito do capitalismo (1a parte)
A objetividade do conhecimento nas ciências políticas e sociais
• 1905 – A ética
protestante e o espírito do capitalismo (2a parte)
• 1906 – Estudos
críticos para servir á lógica das ciências da cultura
_ As seitas
protestantes e o espírito do capitalismo
• 1909 – As
relações de produção na agricultura do mundo antigo
Começa a redigir Economia e Sociedade
• 1913 – Ensaio
sobre algumas categorias da sociologia compreensiva
• 1915 – A ética
econômica das religiões mundiais
• 1916-1917:
Sociologia da religião
• 1918: Crítica
positiva da concepção materialista da história
A
ciência e a política como vocação
O
sentido da neutralidade econômica nas ciências políticas e sociais
• 1919: História
econômica geral
Continua a escrever Economia e Sociedade
• 1920:
Publicação póstuma de Economia e Sociedade, uma das principais e mais
conhecidas obras de Max Weber
1.1. Contexto
intelectual
Entre as correntes
teóricas que mais influenciaram o pensamento de Max Weber, podemos citar:
a) Filosofia
clássica: o pensamento de Immanuel Kant (1724-1804), que afirma que o
conhecimento não capta a essência da realidade, mas apenas os fenômenos que nos
são transmitidos através do sentidos; e
as idéias de Friedrich Nietszche (1844-1900), um dos principais críticos da
modernidade, estão presentes em seu pensamento. De Nietszche, Weber herdou uma
visão pessimista da sociedade moderna.
b) Filósofos
neo-kantianos: estes teóricos vão influenciar diretamente as bases filosóficas
do pensamento de Weber. Os filósofos Wilhelm Dilthey (1833-1991), Wilhelm
Windelband (1848-1915) e Heinrich Rickert (1863-1936), insistiam na necessidade
de distinguir as características das ciências sociais (chamadas de ciências do
espírito/cultura) das demais ciências da natureza.
c) Pensamento
social alemão: embora Max Weber seja o maior expoente da teoria sociológica
alemã, ele não era um pensador isolado. Na obra de Weber aparecem, retomadas, idéias de vários
pensadores importantes da época, principalmente Ferdinand Tönnies (1855-1911),
Georg Simmel (1858-1918), Werner Sombardt (1863-1941) e Ernst Troeltsch.
1.2. Contexto
sócio-histórico
Max Weber, embora
não fosse um político de profissão, mas um cientista, participou ativamente do
debate político da Alemanha de sua época. A situação social da Alemanha também inspirou pesquisas, textos e
reflexões acadêmicas do autor, especialmente em relação aos fenômenos do
capitalismo, da burocracia e do poder político.
Na época de Weber
(1864-1920), o capitalismo industrial se expandia com velocidade por toda
Europa. No entanto, a Alemanha ainda era um país retardatário no processo de
industrialização. Para que a Alemanha pudesse participar da corrida econômica,
a unificação dos territórios germânicos, efetuada por Otto von Bismarck, em
1870, foi fundamental.
Todavia, ao
contrário da Inglaterra (país líder da 1a revolução industrial) e da França, a
burguesia alemã não possuía força política para conduzir este processo sozinha,
e se apoderar do Estado. Isto se devia ao peso representado pelos “ junkers” ,
como eram chamados os proprietários rurais. Além da posse da terra, a
aristocracia rural dominava alguns
postos do Estado, impedindo a ascenção política da burguesia, que acabou
se acomodando em seu papel político.
Para resolver este
impasse, a existência de um governo forte e centralizador, como o de Bismarck,
foi essencial para os esforços de modernização alemã. Mas, por outro lado, como
julgava Weber, acarretou também um aumento da burocracia estatal e tornou a
burguesia alemã acomodada em seu papel político. Por esta razão, Weber defendia
o fortalecimento do parlamento e as eleições diretas para presidente. Segundo
ele, estes seriam dois instrumentos importantes para fortalecer as lideranças
nacionais, desvinculando-as do peso da burocracia estatal.
O papel do Estado
como líder da industrialização econômica, a expansão do capitalismo, a situação
dos trabalhadores do campo e da cidade, o papel do Estado e da burocracia e
vários outros temas, serão constantemente debatidos por Weber em seus escritos
políticos e sociológicos.
|TEORIA
SOCIOLÓGICA COMPREENSIVA
|
Ao contrário de
Comte e Durkheim, que construíram suas teorias sociológicas com base no primado
do objeto; Weber vai orientar toda sua produção sociológica com base no primado do sujeito. A idéia de
que o indívíduo é o elemento fundante na explicação da realidade social, atravessa
a produção epistemológica e
metodológica de Weber, operando uma
verdadeira revolução nas ciências sociais. Deste modo, Weber inaugurou na
sociologia um novo caminho de interpretação da realidade social: a teoria
sociológica compreensiva. E será acerca desta teoria e de suas implicações que
trataremos doravante.
2.1. Epistemologia
A discussão sobre
os fundamentos epistemológicos da sociologia ocupou grande parte das polêmicas
teóricas de Weber. Criticando os
pressupostos epistemológicos do positivismo, Weber vai proporcionar novas bases
teóricas para as ciências sociais. Desta forma, ele contribuiu de forma
fundamental para o desenvolvimento da sociologia contemporânea.
a) Ciências
naturais x ciências sociais
A grande preocupação
dos filósofos neo-kantianos era combater o pressuposto positivista de que as
ciências da natureza e as ciências sociais deviam adotar o mesmo método. Weber
também partilhava desta posição. No texto “A objetividade do conhecimento nas
ciências sociais”, ele mesmo afirma: ”de tudo o que até aqui se disse resulta
que carece de razão de ser um estudo “objetivo” dos acontecimentos culturais,
no sentido em que o fim ideal do trabalho científico deveria consistir numa
redução da realidade empírica a certas leis” (1991, p.96).
Nesta citação,
percebemos como Weber faz um ataque frontal contra um dos pressupostos
essenciais do positivismo: o pressuposto de
que toda a realidade social pode ser explicada mediante a descoberta de
um sistema de “leis” inerentes ao funcionamento da sociedade. Era esta premissa
que justificava a identidade entre as
ciências sociais e as ciências da natureza, promovida pelo positivismo. Por isso, a
preocupação básica dos críticos do positivismo era apontar quais eram os
aspectos que diferenciavam as ciências sociais das ciências da natureza, ao
mesmo tempo em que buscavam para elas um novo método.
De que modo Weber
vai justificar a distinção entre estes dois tipos de ciências? Para elucidar
estas diferenças, Weber vai participar dos debates entre os filósofos
neo-kantianos, que há tempo vinham se dedicando a este problema. É no confronto
crítico com estes autores que Weber vai elaborando suas posições teóricas.
Dentre os
filósofos neo-kantianos, Dilthey, afirmava que a diferença entre as ciências do
espírito e as ciências da natureza reside
no fato de que os seus objetos de estudo é que são diferentes. Enquanto as ciências naturais têm como objeto
a natureza, as ciências sociais estudam o mundo da cultura, que é uma a criação
do espírito humano (ou ainda da sociedade).
Tal diferença, por sua vez,
implica no fato de que em cada um destes tipos de ciência, existe uma
maneira diferente de relacionar o sujeito com o objeto. Enquanto nas ciências
da natureza, o objeto de estudo é algo
exterior ao homem; nas ciências sociais, o homem é o sujeito e o objeto ao
mesmo tempo. Por isso, concluía Dilthey, as ciências naturais fazem uso do
princípio da “ explicação” , enquanto as ciências sociais se articulam em torno do princípio da
“compreensão” . Enquanto a explicação
consiste na busca das leis causais, a compreensão implica em um mergulho
empático no espírito dos agentes históricos em busca do sentido de sua
ação. Resumindo, poderíamos esquematizar
o pensamento de Dilthey da seguinte forma:
|DILTHEY |OBJETO |MÉTODO |
|Ciências da natureza |Natureza |Explicação |
|Ciências sociais |Sociedade (homem) |Compreensão
(verstehen) |
Todavia, para
Windelband, a diferença entre as ciências naturais e as ciências sociais não
estava no objeto de estudo, mas residia no método. Por isso, Windelband distinguia dois tipos de
ciências: as que usam o “método nomotético” e as que usam o “método
ideográfico”. Enquanto o método nomotético está orientado para a construção de
leis gerais, o método ideográfico visa
destacar a individualidade e a singularidade de um determinado
fenômeno. Esquematicamente, temos:
|WINDELBAND |MÉTODO |OBJETIVO |
|Ciências da natureza |Método nomotético |Leis gerais |
|Ciências sociais |Método ideográfico |Singularidade dos
fenômenos |
Também para Rickert, a distinção entre ciências naturais
e ciências sociais residia no método.
Acontece que as ciências sociais são
ciências onde existe uma “relação com os valores”, fato que não ocorre nas ciências da natureza. Ou seja, nas ciências da cultura (como as
chama Rickert), os objetos são selecionados conforme os valores culturais e os
interesses pessoais do pesquisador. Esta idéia será retomada diretamente por
Weber, que afirma: “o conhecimento científico
cultural tal como o entendemos encontra-se preso, portanto, a premissas
“subjetivas” pelo fato de apenas se ocupar daqueles elementos da realidade que
apresentem alguma relação, por muito indireta que seja, com os acontecimentos a
que conferimos uma significação cultural”(1991, p. 98).
Neste complicado
debate dos filósofos neo-kantianos contra os positivistas, Weber ocupa uma posição intermediária. Se, por um
lado, ele não aceita os postulados positivistas, ele critica a separação
excessiva que os pensadores neo-kantianos faziam entre ciências naturais e
ciências sociais. Para Weber, o uso de “leis científicas” para interpretar a
realidade, pode ser um instrumento útil para as ciências sociais; pois, do
contrário, elas correm o risco de cair no mero subjetivismo. Para Weber,
portanto, os dois procedimentos (explicação causal e compreensão) são complementares, devendo ser usados pelo
pesquisador conforme as finalidades da pesquisa. Acerca dessa postura de
Weber, Ferreira explica-nos que:
Weber considera
que uma ciência não se circunscreve a nenhum tipo de método exclusivista, antes
optando por um método ou outro em função das circunstâncias e das exigências
atuais. Os métodos generalizante e individualizante são tipos úteis para permitir
uma melhor compreensão da forma de abordagem que escolhemos, mas em caso algum
devem ser vistos como categorias rígidas de análise que espartilham e limitam
uma ciência particular e lhe tolhem as possibilidades de explicar uma
determinada gama de fenômenos por recurso ora a um método ora a outro (1995, p.
95).
Para Weber, o
sociólogo deve saber integrar estes dois métodos ( individualizante e generalizante) nas suas pesquisas. Assim,
pelo método individualizante, o cientista social seleciona os dados da
realidade que deseja pesquisar,
destacando a singularidade e os traços que definem seu objeto. Ao estudar o
capitalismo, por exemplo, Weber procurou
distinguir os elementos que definem este sistema e o diferenciam de outras
formas de comportamento econômico. Trata-se do uso do método individualizante,
que procura dirigir sua atenção para os caracteres qualitativos e singulares de
qualquer fenômeno. Mas, ao pesquisar a origem do capitalismo, Weber vai
utilizar do método generalizante o princípio da causalidade, que busca
estabelecer relações entre os fenômenos. Nas pesquisas sobre o capitalismo,
para voltar ao nosso exemplo, Weber se
pergunta de que forma as idéias e o modo
de vida dos protestantes, (ética protestante) podem ser considerados como uma
das causas fundamentais na origem do moderno sistema econômico capitalista.
No entanto, vale
lembrar que, embora Max Weber aceite o uso de “leis científicas” como método
válido de pesquisa, esta não deve ser a finalidade das ciências sociais. Para
ele, “as leis (...) são apenas determinadas probabilidades [grifo nosso]
típicas, confirmadas pela observação, de que determinadas situações de fato
ocorram de forma esperada e que certas ações sociais são compreensíveis pelos
seus motivos típicos e pelo sentido típico mencionado pelos sujeitos da ação”.
O que Weber quer dizer, portanto, é que a finalidade do método generalizante
nas ciências sociais não é a construção de um sistema de leis, no sentido de
que determinados fenômenos devam ocorrer
sempre da mesma forma, como acontece na física por exemplo (pense no caso da
lei da gravidade, que é um fenômeno que sempre se repete!). Entretanto, trata-se de um método indispensável para a
objetividade da ciência, na medida em que estabelecer a relação entre os
fenômenos, buscando saber “por que” os eventos sociais se desenrolaram desta e
não de outra forma, é uma das tarefas fundamentais da sociologia. Em síntese, o
uso do método generalizante para
construir um sistema de leis gerais não é a finalidade da sociologia (erro da
sociologia positivista). Todavia, nem por isso ele deve ser desprezado (erro da
filosofia neo-kantiana). O método generalizante é um procedimento indispensável
para a sociologia explicar os fenômenos sociais e históricos, que são seu objeto
de estudo.
Como você pode
notar, Weber entrou em um debate bastante complexo, dialogando com vários
autores e analisando diferentes posições teóricas. No confronto com estas
teorias, ele estabeleceu as bases
filosóficas que sustentam o edifício das ciências sociais e os princípios pelos
quais elas se distinguem das ciências da natureza. O importante, para não se perder neste
debate, é que os autores analisados por Weber, têm sempre em vista delimitar a especificidade das ciências sociais e
distingui-las das ciências da natureza. Este é
o objetivo fundamental da reflexão weberiana. Façamos, ao final, um
breve resumo deste debate.
|POSITIVISTAS
|
|As ciências da natureza e as ciências sociais possuem o
mesmo método |
|NEO-KANTIANOS
|
|As ciências da natureza e as ciências sociais possuem
métodos diferentes |
|MAX WEBER
|
|Crítica aos positivistas: a realidade é infinita. Logo, não
pode ser explicada |
|totalmente a partir de leis científicas |
|Crítica aos neo-kantianos: a sociologia deverá fazer uso
dos dois métodos, dependendo da|
|finalidade da pesquisa
|
|Todavia, nas ciências sociais as “leis” são apenas
probabilidades de ação social. São um|
|meio e não a finalidade da pesquisa.
|
b) Individualismo
Metodológico
Se Max Weber já
tinha uma posição epistemológica diferente do positivismo no que tange a
relação entre ciências sociais e naturais;
o mesmo vai se dar na questão da relação entre indivíduo e sociedade.
Para o pensamento weberiano, o ponto de partida da explicação sociológica
reside no indivíduo:
A sociologia
interpretativa considera o indivíduo e seu ato como a unidade básica, como seu
“átomo” – se nos permitirem pelo menos uma vez a comparação discutível. Nessa
abordagem, o indivíduo é também o limite superior e o único portador de conduta
significativa (...). Em geral, para a sociologia, conceitos como “Estado”,
“associação”, “feudalismo” e outros semelhantes designam certas categorias de
interação humana. Daí ser tarefa da sociologia reduzir esses conceitos à ação
compreensível, isto é, sem exceção, aos atos dos indivíduos participantes”.
(1982, p. 74).
Se, para Durkheim,
a sociedade é superior ao indivíduo; poderíamos dizer que para Weber, o
indivíduo é o fundamento da sociedade. Esta afirmação vai muito além do fato de
que uma sociedade não existe sem indivíduos. A existência da sociedade somente se realiza pela ação e interação recíprocas entre as
pessoas. Então, quer dizer que a
“sociedade”, ou mesmo estruturas coletivas como a família, o grupo, o Estado, o
capitalismo e outros, não existem? Não se trata exatamente deste argumento.
Conforme explica Cohn, o que Weber quer dizer é que:
o objeto de
análise sociológica não pode ser definido como a sociedade, ou o grupo social,
ou mediante qualquer outro conceito de referência coletiva. No entanto, é claro
que a sociologia trata de fenômenos coletivos, cuja existência não ocorreria a
Weber negar. O que ele sustenta é que o ponto de partida da análise sociológica
só pode ser dado pela ação de indivíduos e que ela é “individualista” quanto ao
método. (1991, p. 26).
Em Weber, a
possibilidade de entender a sociedade e suas instituições passa análise do
comportamento dos indivíduos. Tudo o que existe na sociedade, seus grupos,
instituições e comportamentos, são fruto da vontade e da atividade dos homens.
Por isso, não faz sentido compreendê-los sem resgatar o sentido contido em cada
elemento da sociedade. Segundo Weber, é preciso voltar ao nascimento destas
instituições e entender a atividade significativa que lhes deu nascimento e as
razões que os homens tinham e ainda têm para
sustentar as instituições e os comportamentos sociais. É por esta razão que o indivíduo é o
fundamento da explicação sociológica.
2.2.
Metodologia
A preocupação em
dotar a sociologia de conceitos claros e bem definidos é uma das principais
intenções da teoria metodológica
weberiana. Por esta razão, os textos nos quais Max Weber define o que é
a sociologia e qual o seu objeto de estudo,
são alguns dos trechos mais
discutidos e analisados do pensador alemão. Na principal destas obras (Economia
e Sociedade), Weber traz a seguinte definição de sociologia (1994, p.03):
Sociologia
significa uma ciência que pretende compreender interpretativamente a ação
social e assim explicá-la em seu curso e seus efeitos (1994, p. 03).
Podemos traduzir
esta definção, na forma do seguinte gráfico:
| |MÉTODO DE ANÁLISE |OBJETO DE
ESTUDO |
|SOCIOLOGIA |
|
|
| |Compreender |Ação
Social |
| |Explicar | |
Nestas
poucas linhas, Weber não só definiu o que é a
sociologia, como também apontou seu
objeto de estudo e ainda seu método de análise
(ou seu objeto formal). Tudo de acordo com os pressupostos que já
apontamos acima (o indivíduo como fundamento da explicação sociológica). Nas páginas que seguem, vamos tratar de
esclarecer e aprofundar cada um destes
pontos em detalhe.
a) Sociologia:
objeto material e objeto formal
Como está muito
claro na definição de Weber, o objeto de estudo da sociologia é a ação
social. Mas, o que o devemos entender
por ação social? É novamente Weber que
vai nos ajudar a esclarecer este conceito. Assim, segundo sua definição, temos
que:
a) Ação: é um
comportamento (...) sempre que e na medida em que o agente ou os agentes o
relacionem com um sentido subjetivo.
b) Ação social:
significa uma ação que, quanto a seu sentido visado pelo agente ou pelos
agentes, se refere ao comportamento de outros, orientando-se por este em seu
curso.
Logo, coerente com
o pressuposto filosófico do individualismo metodológico, o objeto de estudo da
sociologia é a ação social. É na ação
dos indivíduos, quando orientada em relação a outros indivíduos (portanto,
quando ela é social) que a sociologia tem o seu ponto de partida lógico e, como
conseqüência, seu objeto de estudo. É sempre a partir do sujeito que Weber
pretende fundar a explicação dos fenômenos sociais.
Porém, de que
forma o sociólogo deve empreender a tarefa de explicar as ações dos indivíduos
em suas relações recíprocas? Qual o método de estudo pelo qual a sociologia
aborda as ações sociais? Em outras palavras, qual é o seu objeto formal?
Segundo Weber, a tarefa da pesquisa sociológica consiste em determinar qual o
“sentido” ou “significado” da ação. Mas,
quais seriam estes significados aos quais Weber se refere? Conforme explica Cohn, ”interessa, enfim,
aquele sentido que se manifesta em ações concretas e que envolve um motivo
sustentado pelo agente como fundamento de sua ação” (1991, p. 27). O fundamento
para explicar a ação social, portanto, é o seu motivo. Para a sociologia,
importa recuperar a razão e a finalidade que os próprios indivíduos conferem às
suas atividades – bemo como às suas relações com os demais indivíduos e com a
sociedade. São estas razões que explicam
o motivo e a própria existência das ações sociais. É por isto que a teoria
sociológica de Weber é chamada de “metodologia compreensiva”: seu objetivo é
compreender o significado da ação social.
No entanto, as
ações humanas são infinitas, e é claro que
o sociólogo não poderia fazer um acompanhamento de todos os tipos de
comportamento social. Tendo em vista esta dificuldade, Weber constrói sua conhecida teoria dos tipos
de ação. A intenção de Weber é
justamente apontar quais seriam os sentidos ( ou motivos) básicos da ação
social:
1. Ação social
referente a fins: a ação é determinada por expectativas quanto ao comportamento
de objetos do mundo exterior e de outras pessoas. Estas expectativas funcionam como “condições” ou
“meios” para alcançar fins próprios, ponderados e perseguidos racionalmente,
como sucesso. Portanto, neste tipo de ação, o homem coloca determinados objetivos
e busca os meios mais adequados para persegui-los. O importante é perceber que
o motivo da ação é alcançar sempre um resultado eficiente.
2. Ação social
referente a valores: a ação é determinada pela crença consciente no valor –
ético, estético, religioso ou qualquer que seja sua interpretação – absoluto e
inerente a determinado comportamento como tal,
independente do resultado. O
motivo da ação, neste caso, não é um resultado, mas um valor,
independente dos resultados positivos ou negativos que ela possa ter.
3. Ação social
afetiva: a ação é determinada de modo afetivo, especialmente emocional: por
afetos ou estados emocionais atuais.
4. Ação social
tradicional: a ação é determinada pelo costume arraigado.
Estabelecida a
unidade básica da análise sociológica, a ação social e os seus tipos básicos, Weber vai mostrar
como as interações entre os indivíduos vão
ser a base de formação dos grupos sociais e também das instituições
sociais. Acompanhemos seu raciocínio.
Quando o sentido
da ação social é compartilhado por vários agentes, temos a relação social. A
relação social parte do pressuposto de que é provável que se aja conforme o sentido compartilhado
(que pode ser um uso ou um costume). Estas relações sociais, segundo Weber,
podem ser ainda de caráter comunitário (pessoais) ou societárias (impessoais).
Finalmente, a
relação social deve ser legitimada por
uma ordem legítima. A legitimação da ordem legítima pode se dar através da
convenção ou do direito. De acordo com Weber, as ordens legítimas podem se
institucionalizar de diversas formas, tais como:
•
agrupamentos: agrupamentos os grupos
coletivos possuem órgãos administrativos;
• empresas:
quando os grupos buscam determinados
fins, estabelecidos racionalmente;
• associações: as
relações são fechadas para as pessoas de fora; os regulamentos são aceitos
voluntariamente,
• instituições:
as regulamentações são impostas para os seus membros
O esquema
analítico de Weber, apresenta sempre um caminho que vai do particular ao
universal. Ele começa com a análise da ação social, passando pela interação
entre os indivíduos, até as instituições sociais. Pode-se também tomar o caminho contrário. Uma noção
coletiva, como o Estado, por exemplo, pode ser analisada até se chegar ao seu
fundamento de origem, ou seja, a ação social. Quer se parta de um ou de outro
ponto, o indivíduo é sempre o fundamento das instituições sociais. É sempre a
partir do indivíduo e do significado de sua conduta que Weber reconstrói as
práticas sociais e fundamenta sua pesquisa sociológica. É o que demonstra, com
um exemplo, o quadro abaixo:
|INDIVÍDUO |GRUPO |COLETIVIDADE |
|Ação Social |Relações
Sociais |Ordem
legítima |
|Dar aulas |Professor x
aluno
|Escola |
b) Os tipos ideais
Depois de apontar
com clareza quais seriam os conceitos fundamentais da teoria sociológica, Weber
se preocupa também em esclarecer “qual é a função lógica e a estrutura dos
conceitos com os quais trabalha a nossa ciência, à semelhança de qualquer outra
“ (1991, p. 100). Em outros termos, ele
se pergunta qual o papel dos conceitos
sociológicos enquanto instrumentos de interpretação da realidade social. Qual a
função que os conceitos desempenham no
processo de pesquisa?
Para Weber, estava
muito claro que o sociólogo não pode tratar seus conceitos (e suas teorias)
como se fossem uma reprodução da realidade. Este seria o erro das teorias positivistas.
Adotando a filosofia kantiana, Weber parte do princípio de que o conhecimento
humano não é uma reprodução da essência da realidade. Pelo contrário, o
conhecimento humano só capta as relações entre as coisas existentes, de acordo
com a estrutura da mente humana. Portanto,
nunca de forma exaustiva e exata. Da mesma forma, a sociologia não capta
toda essência da realidade: a explicação sociológica só pode captar determinados elementos da
realidade, que são condicionados pela cultura no qual o sociólogo está
inserido.
Como podemos
inferir, para Weber, o sujeito tem um papel ativo na construção do conhecimento
sociológico, na medida em que é o sociólogo
que determina que traços ou aspectos da realidade serão analisados e qual relação existe entre eles. É justamente este aspecto
que Weber quer ressaltar com o conceito de tipos ideais, que ele assim define:
Obtém-se um tipo
ideal mediante a acentuação unilateral de um ou vários pontos de vista, e
mediante o encadeamento de grande quantidade de fenômenos isolados dados,
difusos e discretos, que se podem dar em maior ou menor número ou mesmo faltar
por completo, e que se ordenam segundo os pontos de vista unilateralmente
acentuados, a fim de se formar um quadro homogêneo de pensamento (1991, p.
106).
Desta forma, fica claro que o conceito (que é um tipo
ideal) nunca se acha de forma “pura” na realidade, pois ele é apenas uma
construção teórica elaborada pelo sociólogo.
O tipo-ideal é construído a partir de uma “intensificação” unilateral da
realidade, ou seja, uma “exageração” de alguns de seus elementos
característicos, a partir de um
determinado ponto de vista. Podemos
esclarecer isto através de um exemplo.
Vimos
anteriormente que Max Weber distinguia quatro tipos de ação social: ação
racional com relação a valores, ação racional com relação a fins, ação
tradicional e ação afetiva. Ora, sabemos agora que estes conceitos são “tipos
ideais”, logo, eles não se acham de forma pura na realidade.
No comportamento real das pessoas, estas formas de ação sempre aparecem juntas.
O que permite ao sociólogo dizer que se trata desta ou daquela forma de ação é
um recorte da mesma, acentuando um dos aspectos que caracterizam a ação. É por
isso que estes conceitos são chamados por Weber de “tipos ideais”.
Todavia, é
importante não confundir a construção de tipos ideais com um mero
“subjetivismo”, como se eles fossem uma construção arbitrária do pesquisador.
Pelo contrário, o que Weber quer enfatizar é que o tipo ideal é um instrumento de pesquisa que permite ao
sociólogo uma aproximação mais objetiva da realidade. Além de ajudar a entender
a realidade, que é diversa e heterogênea, organizando os dados em conceitos homogêneos; o sociólogo deve sempre ancorar estes
conceitos nos acontecimentos. É justamente para isto que servem os tipos
ideais: permitir ao pesquisador uma forma constante de comparar suas teorias
com a realidade pesquisada, a partir de um aspecto da mesma.
Além de conceitos
já citados, como os “tipos de ação”; termos como “capitalismo”, “ética
protestante”, “feudalismo”, “burocracia”, “Estado” e muitos outros, aparecem em
Weber sempre entendidos como tipos ideais, cuja função é pemitir às suas pesquisas clareza conceitual
quanto aos objetos estudados, bem como um entendimento dos traços típicos que
permitem entendê-los.
| MODERNIDADE
E RACIONALIZAÇÃO
|
A sociologia da
religião de Max Weber, embora tenha o
fenômeno religioso como um de seus temas
centrais, não pode ser reduzida a um estudo que se restringe a interpretação da
religião em si mesma. Pelo contrário, é em sua sociologia da religião, que Max
Weber traça o quadro de nascimento e desenvolvimento da modernidade. Para o
pensador alemão, a modernidade se
caracteriza pelo processo de racionalização (que é uma conseqüência do
desencantamento do mundo). E embora a razão tenha trazido para o homem a capacidade de dominar o mundo,
especialmente através da ciência e da técnica, trouxe também conseqüências
negativas: a perda de sentido e a perda
de liberdade.
Para empreender
seu estudo sobre a modernidade, primeiro Weber se dedica a entender a relação
que existe entre o protestantismo e a conduta econômica capitalista. Depois,
suas análises se deslocam do Ocidente para o Oriente, para analisar a ligação
entre economia e religião na Índia (hinduísmo e budismo) e na China
(confucionismo e taoísmo), sem esquecer
ainda do judaísmo e até do islamismo. É
a partir destas múltiplas comparações que Weber procura entender a cultura
ocidental, sua originalidade e também os seus problemas.
A partir destas
análises comparativas entre os diferentes desenvolvimentos culturais do
Ocidente e do Oriente, Weber conclui
que:
Racionalizações
têm existido em todas as culturas, nos
mais diversos setores e dos tipos mais diferentes. Para caracterizar sua
diferença do ponto de vista da história da cultura, deve-se ver primeiro em que
esfera e direção elas ocorrem. Por isso, surge novamente o problema de
reconhecer a peculiaridade específica do racionalismo ocidental, e, dentro
deste moderno racionalismo ocidental, o de esclarecer a sua origem (1996, p.
11) .
O que
é este “ racionalismo “
ocidental? Qual o seu caráter
específico diante dos povos do Oriente? Qual a sua origem? Qual o seu
significado para a vida do homem? Eis os temas de que trata a sociologia da
religião de Max Weber e que o levam a apontar aquela que é uma das característica mais importantes das sociedades modernas: o racionalismo.
1. A ética
protestante e o espírito do capitalismo
O livro “A ética
protestante e o espírito do capitalismo” é um dos textos mais conhecidos de Max
Weber. Por isso, ao longo de nossa
exposição, vamos tentar acompanhar bem de perto as idéias contidas nesta obra.
Antes, um
esclarecimento. É importante perceber que neste livro, o autor alemão quer atingir dois objetivos.
Em primeiro lugar, trata-se de uma investigação sobre as “origens” do capitalismo. Junto com a ciência, a arte,
a arquitetura, a universidade e o Estado, o capitalismo seria a grande marca da
civilização ocidental. Portanto, por um
lado, Weber está interessado em
verificar qual a influência da religião na origem do moderno sistema econômico
capitalista-industrial. Mas, também é preciso olhar este estudo de forma mais
ampla. Esta obra possui também um segundo objetivo importante. Como já destacamos, a questão central da
sociologia de Weber é mostrar como se dá
o progresso da racionalização no Ocidente (da qual o capitalismo é a maior
expressão), fato que não acontece no Oriente. Por que apenas no Ocidente moderno nós temos
a vitoria do “ racionalismo”? Para Weber, a chave para responder a esta segunda
pergunta também estava nas características específicas da ética protestante.
Comecemos, pois,
pela primeira questão: a origem do capitalismo. É importante relembrar que Weber está longe de afirmar que a
religião luterana foi a “única” causa do
capitalismo. Na verdade, o pensamento de Weber é bem mais sofisticado. Além de admitir que o
problema da origem do capitalismo admite causas múltiplas e até infinitas
(econômicas, políticas, militares, técnicas, etc.), Weber não trata de afirmar
que a religião (ou a ética) seria propriamente uma causa da origem do
comportamento econômico capitalista, num sentido linear e determinista. Para Weber, a ética luterana muito mais
favoreceu (em vez de atrapalhar) do que gerou sozinha o capitalismo. Mesmo
assim, ele conclui que a ética
protestante “ deve ter sido presumivelmente a mais poderosa alavanca da
expressão dessa concepção de vida, que aqui apontamos como “ espírito do
capitalismo” (1996, p. 123).
Mas, afinal, o que
vem a ser este “ espírito do capitalismo” ao qual Weber tanto se refere? Para esclarecer esta expressão, Weber nos dá
os exemplos de um conjunto de máximas de Benjamin Franklin, que recomenda:
- lembra-te de
que tempo é dinheiro;
- lembra-te de
que o crédito é dinheiro;
- lembra-te de
que dinheiro gera mais dinheiro;
- lembra-te de
que o bom pagador é dono da bolsa alheia;
O que estas máximas
nos mostram, é que o espírito do capitalismo é uma ética de
vida, um modo de ver e encarar a existência. Ser capitalista, antes de tudo,
não é ser uma pessoa avara, mas ter uma vida disciplinada, ou ascética, de tal forma que as ações praticadas sempre revertam em lucro. Trata-se, como diz
Weber, de uma ascese no mundo. Ascese, é bom lembrar, é o comportamento típico
dos monges, que levam uma vida dedicada à oração e à penitência. O bom
capitalista também é uma pessoa ascética. Mas a sua ascese é praticada no
trabalho, ao qual ele se dedica com rigor e disciplina. Entretanto, a grande questão que nos resta esclarecer
é: como esse modo capitalista de ver a
vida se generalizou e se propagou pelo
Ocidente?
A primeira
contribuição para este processo, afirma Weber, foi dada por Martinho Lutero e
sua concepção de “ vocação “ (em alemão, beruf). Para Lutero, a salvação das
pessoas não vinha do fato delas se
retirarem do mundo para rezar, como faziam os monges católicos. Pelo contrário,
quanto mais as pessoas aceitassem suas tarefas profissionais como um
chamado de Deus (vocação) e as
cumprissem com disciplina, mais aptas estariam para serem salvas.
No entanto, é com
as seitas protestantes, que este processo
iria ainda mais longe. No quarto
capítulo de sua obra, Weber analisa quatro seitas protestantes, que são:
• calvinismo
• pietismo
• metodismo
• seitas
batistas.
Dentre estas
quatro seitas, diz Weber, é a religião
calvinista que melhor nos ajuda a
explicar a relação entre a ética protestante e a origem do capitalismo. De
acordo com a doutrina calvinista, todos os homens são pré-destinados por Deus
para a salvação ou para a condenação. Somente Deus, na sua sabedoria e bondade
eterna, sabe e escolhe quem será salvo ou não ( doutrina da pré-destinação).
Nada do que o homem fizer por esforço próprio faz diferença: tudo depende de Deus!
Naturalmente, uma
concepção destas causa grande angústia para as pessoas. Como saber se eu vou
ser salvo? Apesar de só Deus possuir esta resposta, os calvinistas acreditavam
que havia uma forma de obter indícios para esta questão: trata-se do sucesso no trabalho. O cristão está no mundo para glorificar a
Deus, e deve fazê-lo trabalhando. Ora, acontece que o cristão que estiver
reservado para ser salvo, vai levar uma vida disciplinada e cristã: o
resultado, só pode ser um enriquecimento de seus bens materiais. Mas, como bom cristão, ele não vai esbanjá-los em prazeres e em
outras condutas consideradas desonestas.
Pelo contrário, ele vai continuar trabalhando e aplicando seus recursos
para obter mais lucratividade. O
resultado é que, com o tempo, esta
pessoa tornar-se-á muito rica; afinal,
tudo que ela ganha é gasto somente com o necessário, sendo o resto aplicado na
própria produção.
Para Weber, esta
ética do trabalho, embora tivesse motivações religiosas, acabou dando suporte
para um comportamento indispensável para a origem do capitalismo: a busca do lucro, através do
trabalho metódico e racional. Mesmo com
o processo de secularização da vida (ou seja, o declínio da religião na
sociedade), a ética do trabalho se expandiu e se consolidou no Ocidente. Com o
tempo, a motivação da busca do lucro se
desligou da religião, e ganhou vida própria:
O puritano queria
torna-se um profisisional, e todos tiveram que segui-lo. Pois, quando o
ascetismo foi levado para fora dos mosteiros e transferido para a vida
profissional, fê-lo contribuindo poderosamente para a formação da moderna ordem
econômica e técnica ligada á produção em série da máquina, que atualmente
determina de maneira violenta o estilo de vida de todo indivíduo nascido sob
este sistema (...), e quem sabe o determinará até que a última tonelada de
combustível tiver sido gasta. (idem, p.
131).
Todavia, além da
origem do capitalismo, existe outra
questão importante ressaltada por Max Weber, que aponta para o segundo
objetivo de sua obra: o problema da racionalização. Mais do que a origem do
capitalismo, o protestantismo ascético favoreceu também a racionalização da
vida. A partir deste processo, a vida
das pessoas estaria movida pelo sistema econômico, como Weber deixou claro em
sua citação acima, e voltaria a enfatizar ainda mais:
Os católicos não
levaram tão longe quanto os puritanos a racionalização do mundo, a eliminação
da mágica como meio de salvação (...). A vida do santo era dirigida unicamente
para um fim transcendental: a salvação.
Precisamente por esta razão, entretanto, ela era completamente racionalizada do
ponto de vista deste mundo e dominada inteiramente pela finalidade de aumentar
a glória de Deus [grifos nossos](idem, p. 81-82).
Uma vida metódica,
dedicada ao trabalho, de forma disciplinada e ordenada: é neste sentido que o
comportamento do protestante representa uma forma extremamente racionalizada de
vida. Quando a motivação religiosa do trabalho em busca da riqueza desaparece, mas esta forma
ordenada de vida se perpetua por força própria, a sociedade atingiu seu nível
máximo de racionalização. A origem do capitalismo, portanto, faz parte de um
processo mais amplo, chamado por Weber de “ desencantamento do mundo” . A
racionalização da vida, representada pela influência do protestantismo e pela
origem do capitalismo, é uma de suas
etapas finais.
2. Racionalização da cultura
Como destacamos
anteriormente, a sociologia da religião de Weber não ficou restrita apenas ao
estudo da realidade ocidental. Se no Ocidente, a religião foi um fator que
impulsionou o desenvolvimento de uma cultura racionalizada e, por conseqüência,
a origem do capitalismo; restava saber por que as religiões orientais não
exerceram esta mesma influência em sua
realidade. É neste contexto que devemos situar as análises de Weber sobre o hinduísmo e o budismo (religiões da Índia)
e também sobre o confucionismo e o taoísmo (religiões da China).
Na análise das
grandes religiões universais, Weber percebeu que elas se diferenciam, quanto ao
seu conteúdo e quanto ao caminho da salvação que elas apresentam. As imagens de
Deus e do mundo é que condicionam a
atitude do crente para conseguir a salvação. Ou, dito de uma forma bem mais simples: a teoria religiosa condiciona a prática de vida das pessoas. Para entender
a influência da religião sobre a economia, é necessário, então, verificar como
as religiões inspiram esta conduta, a partir de dois critérios:
|TEORIA
RELIGIOSA
|PRÁTICA RELIGIOSA |
|
Imagem de Deus |
Caminho da salvação |
|Imagem do mundo |
|
a) Teoria
religiosa e capitalismo
Quanto à imagem de
Deus que as religiões desenvolvem, Weber distingue dois tipos de religião: as
religiões teocêntricas e as religiões cosmocêntricas. De acordo com a
explicação de Habermas, Weber identifica
principalmente dois tipos de imagem de Deus: “A primeira, a ocidental, se serve da
concepção de um Deus criador, supra-mundano e pessoal; a outra, muito difundida
no oriente, parte da idéia de um cosmos impessoal e não criado. Weber fala aqui de uma concepção
supra-mundana e de uma concepção imanente de Deus” (1987, p. 269). Logo, temos
duas formas culturais diferentes de explicar o que seria a divindade. Nas
religiões ocidentais, deus cria o mundo, estando fora e acima dele (deus
supra-mundano). Deus sempre existiu e um dia resolveu criar o mundo. Já nas
religiões orientais, deus e o mundo são a mesma realidade. Na concepção
oriental, deus e mundo se confundem como
um todo; sendo que deus está na beleza da totalidade, além de ser a força que
sustenta as coisas. Resumindo, temos que:
|
|IMAGEM DE DEUS |
|Religiões ocidentais |Deus
supra-mundano |
|Religiões orientais |Deus
intra-mundano |
Uma segunda
diferença de conteúdo entre as religiões consiste na sua imagem do mundo. Weber
distingue então entre as religiões que promovem a “afirmação do mundo” ou a
“negação do mundo”. Ou seja, enquanto as
primeiras religiões vêem o mundo de forma positiva, o segundo grupo desvaloriza
a realidade mundana. Quando o mundo é
visto de forma negativa, a salvação pode ser obtida mediante duas formas. Em
primeiro lugar, através de alguma forma
de afastamento do mundo, seja através de uma profunda vida interior, seja
através do isolamento nos mosteiros. A segunda possibilidade é superar os males
do mundo, transformando-o pelo engajamento humano no mesmo. Já, quando o mundo
é visto de forma positiva, não há uma tensão entre a realidade mundana e o homem.
Este tipo de imagem do mundo leva o homem a uma acomodação ao mesmo, normalmente na forma
da contemplação mística, que representa uma atitude passiva diante da realidade
mundana.
Analisando as
diversas religiões a partir deste elemento, Weber constatou que nas religiões
ocidentais existe apenas uma
desvalorização do mundo; enquanto nas religiões orientais existem algumas que o
valorizam (China) e outro grupo que o desvaloriza (Ïndia). Graficamente, eis um
resumo destas idéias:
| |IMAGEM DO
MUNDO
|RELIGIÕES
|
|Religiões Ocidentais |Negação do mundo |Cristianismo |
|Religiões Orientais |Negação do mundo |India (budismo) |
| |Afirmação do
mundo |China
(taoísmo/confucionismo |
Depois de estudar
cada religião (ocidental e oriental) a partir destes elementos, nós podemos
cruzar estes dois critérios (imagem de
Deus e do mundo), obtendo assim o
seguinte esquema:
|Imagem de
Deus |Religiões Teocêntricas |Religiões Cosmocêntricas |
|Afirmação do mundo |-
|Confucionismo
|
| | |Taoísmo |
|Negação do mundo |Judaísmo |Budismo |
|
|Cristianismo |Hinduísmo |
Observando este
quadro, logo se destaca o fato de que,
quanto ao critério do conteúdo, já podemos perceber que somente as
religiões ocidentais criaram uma imagem de um deus transcendente, ou seja, que
se encontra fora do mundo, combinando este aspecto com uma visão negativa do
próprio mundo ( o mundo é o lugar do pecado).
Já nas religiões orientais (cujo deus é visto como intra-mundano), a
imagem de Deus se combina com duas diferentes visões do mundo (positiva e
negativa).
b) Prática
religiosa e capitalismo
Entretanto, o que tudo isto tem a ver com a influência
das religiões na sociedade, especialmente se quisermos compreender a ação
social e a conduta econômica dos indivíduos?
De acordo com a teoria weberiana, a teoria religiosa inspirou diferentes formas do indivíduo se comportar.
Vejamos como.
De acordo com o
autor, estas teorias religiosas inspiram diferentes caminhos de salvação.
• Nas religiões
teocêntricas (deus está fora do mundo) existem dois caminhos de salvação. Se
houver uma imagem negativa da realidade mundana, as religiões apresentam o
caminho da dominação ascética do mundo (como é caso da religião protestante).
Quanto a religiões teocêntricas com uma imagem positiva do mundo, Weber não
encontrou nenhuma exemplo real deste
tipo de religião. O importante é
perceber que as religiões teocêntricas com uma visão negativa do mundo
favorecem uma atitude “ativa” diante da realidade mundana.
• Nas religiões
cosmocêntricas (deus é o mundo), existem duas possibilidades. Se há uma imagem
negativa da realidade mundana, o único caminho da salvação é a fuga do mundo (é
o caso das religiões da índia, o hinduísmo e o budismo). Mas, se houver uma imagem
positiva do mundo, o caminho da salvação será uma acomodação diante do mundo.
Todavia, em ambos os casos, trata-se de
caminhos de salvação que levam o homem a um atitude “passiva” diante da
realidade mundana.
Para finalizar,
coloquemos estas idéias na forma de um quadro:
|TEORIA
RELIGIOSA
|PRÁTICA RELIGIOSA
|
|IMAGEM DE DEUS |IMAGEM DO MUNDO |SALVAÇÃO |
|Religião Teocêntrica |Visão positiva do
mundo
|-----------
|
|Religião Teocêntrica |Visão negativa do
mundo |Dominação do
mundo |
|Religião Cosmocêntrica |Visão positiva do mundo |Acomodação ao mundo |
|Religião Cosmocêntrica |Visão negativa do mundo |Fuga mística do mundo |
A conclusão que se
pode tirar deste complexo esquema de Weber é bastante óbvia. As religiões
orientais levam o crente a uma atitude contemplativa diante do mundo. Já o
caráter específico da religião ocidental consiste em levar o crente a uma
atitude de engajamento diante do mundo. Foi por isso que a ética religiosa do
protestantismo favoreceu a origem do capitalismo, enquanto as religiões orientais não inspiraram nenhum
movimento neste sentido.
3. Racionalização
da sociedade
A análise comparativa
de Weber entre as religiões do Ocidente e do Oriente, permitiu ao autor alemão
traçar um quadro completo da evolução cultural do ocidente. Em Weber nós temos uma minuciosa análise
do “processo de intelectualização a que estamos submetidos desde milênios
“ ( 1967, p. 30), e que compreende as
seguintes etapas:
Religião ( Desencantamento do mundo (
Racionalização
Mas o que seria
este processo de “desencantamento do mundo”?
De modo geral, pode-se dizer que se trata de um longo caminho no qual as
concepções mágicas e religiosas do mundo, vão sendo substituídas por uma
concepção racionalizada da existência. Neste processo, o homem deixa de ver a
vida como algo dominado por forças impessoais e divinas; para enxergar a
natureza e a sociedade como passíveis de completo domínio pelo homem. Antes,
eram os deuses que controlavam a vida do homem. Agora é o homem, através da
ciência e da técnica, que “des-diviniza” a natureza e a sociedade e passa a
controlá-las. De acordo com Raimond Aron, “a ciência nos habitua a ver a
realidade exterior apenas como conjunto de forças cegas que podemos pôr á nossa
disposição; nada resta dos mitos e das divindades com que o pensamento selvagem
povoava o universo. Nesse mundo despojado desses encantamentos, e cego, as
sociedades se desenvolvem no sentido de uma organização cada vez mais racional
e burocratizada” (1993, p. 521).
Ao contrário dos
filósofos iluministas e mesmo do positivismo, que viam o progresso da
razão como aumento de progresso
material e até da felicidade individual, Weber tinha uma posicão crítica a este
respeito. O aumento do grau de racionalidade do mundo moderno, não leva
necessariamente a um estágio superior de vida social. Weber sabia que o
processo de racionalização do mundo, da qual a organização capitalista e a
organização burocrática do Estado eram as
maiores expressões, tinha também o seu lado negativo. É neste sentido que ele apresenta o seu diagnóstico da modernidade: a
perda de sentido e a perda de liberdade.
Quanto à primeira
tese, a perda de sentido, Weber sabia que a gradual substituição da religião
pela razão, cuja maior expressão é a ciência,
traria uma mudança profunda na cultura.Segundo ele, a religião era uma
cosmovisão do mundo que conferia sentido à realidade. Toda religião procura dar
aos homens uma resposta à respeito do “por que “ último da existência. As
religiões entendem o mundo como dotado de uma finalidade: existe uma razão que
explica de onde viemos e para onde
vamos. Acontece que, para Weber, a ciência não poderia ocupar o papel da
religião: “quem continua ainda a acreditar – salvo algumas crianças grandes que
encontramos justamente entre os especialistas – que os conhecimentos
astronômicos, biológicos, físicos ou químicos podem ensinar-nos algo a
propósito do sentido do mundo ou poderiam ajudar-nos a encontrar os sinais de
tal sentido, se é que ele existe? (1991, p.
35).
Para Weber, não se
trata de renunciar à razão e voltar a religião só porque ela dotava o mundo de
sentido. A ciência é um saber instrumental, que sabe apontar os meios para se
atingir do melhor modo possível um objetivo, mas ela não tem como formular um
juízo definitivo de que este objetivo é melhor que aquele, de que este valor
supera outro. De acordo com um exemplo dado pelo próprio Weber, “ ignoro como
se poderia encontrar base para decidir “cientificamente” o problema do valor da
cultura francesa face á cultura alemã; aí também diferentes deuses se combatem
e, sem dúvida, por todo o sempre” (idem, p.42). De fato, era assim que Weber
via o problema dos valores no mundo moderno: uma luta entre os deuses,
onde cada um deve escolher o seu.
Mas não é somente
no plano da cultura que Weber vê os resultados negativos da expansão da
racionalidade ocidental. Através da ética protestante, Weber percebeu que o
racionalismo penetrou também no campo da economia e no campo da organização política, fenômeno que
Weber chamou de “burocratização” e que
podemos chamar também de racionalização social. Por isto, no final do livro “A ética protestante”, Weber afirmava que o
manto sagrado da busca dos bens materiais dos calvinistas, acabaria
aprisionando o homem: “De acordo com a opinião de Baxter [teólogo calvinista]
preocupações pelos bens materiais somente poderiam vestir os ombros do santo
“como um tênue manto, do qual a toda hora se pudesse despir”. O destino iria
fazer com que o manto se transformasse numa prisão de ferro [grifo nosso]
(1996, p. 131).
A imagem de Weber
é bastante forte. A racionalidade ocidental representa para o homem uma “prisão
de ferro”. É assim que Weber resume sua
famosa tese da perda da liberdade.
Embora tenha se libertado das forças divinas e naturais, o homem
tornou-se escravo de sua própria criação. Longe de estar livre, a racionalidade
dos meios (já que o homem perdeu a racionalidade dos fins, ou seja, a capacidade de determinar o sentido da
vida) tomou conta da existência. Se o
calvinista fez do trabalho um meio em busca da salvação, o capitalismo fez do
trabalho uma atividade cujo fim é ele mesmo. Trata-se de uma racionalidade que
aumentou a produtividade, mas escravizou o homem.
Ao contrário de
Durkheim, que tinha uma imagem bastante positiva da modernidade, Weber pode ser
considerado um teórico pessimista. O
problema é que a força que conduziu o homem um passo adiante (a razão), também
trouxe conseqüências negativas. E diante do problema, Weber não via nenhuma
solução.
|PROJETO POLÍTICO:
NEUTRALIDADE
|
Uma das
características marcantes do pensamento de Weber, é a radical separação que ele
promove entre a figura do cientista e do político, ou entre as esferas da
ciência e da política. Neste sentido, o texto mais famoso a respeito, são as conferências proferidas por
Weber na Universidade de Viena, em 1919 (A ciência como vocação e A política
como vocação). No entanto, isto não impediu o pensador alemão de se pronunciar,
várias vezes, sobre problemas teóricos ligados à análise da política, ou, sobre
temas do debate político de sua época.
4. Neutralidade
axiológica
Weber tinha
herdado de Henrich Rickert (filósofo neo-kantiano), a convicção de que as
ciências humanas eram ciências relacionadas com os valores. Ou seja, um
sociólogo sempre faz suas pesquisas no quadro de uma cultura determinada, com
um conjunto de valores específicos, que movem
seus interesses pessoais. O que é significativo para um sociólogo
brasileiro, por exemplo, pode não sê-lo para um alemão, ou ainda um cidadão da idade média. No
entanto, admitir esta hipótese trazia um problema muito sério. Quer dizer,
então, que as ciências humanas são ciências subjetivistas, em que tudo depende
do “ponto de vista” adotado por cada autor? Se cada autor elege um elemento da
realidade para explicar, e tira daí suas próprias conclusões, como fugir da
armadilha do relativismo (que afirma que não há verdade objetiva, pois tudo é relativo)?
É este problema
que leva Weber a refletir sobre a
questão da “objetividade” das ciências humanas ou sociais. Para resolver este dilema, Weber afirma que a
ciência deve cuidar para distinguir rigorosamente entre os juízos de fato e os
juízos de valor.
Isto implicava em
afirmar que, se o sociólogo era movido por seus valores na hora de definir seu
objeto; na condução da pesquisa, todas as considerações pessoais do autor (seus
juizos de valor ou axiológicos) deveriam ser colocados de lado. Na pesquisa, o
sociólogo só pode emitir juízos de fato, ou seja, mostrar rigorosamente o
desenvolvimento de um determinado fenômeno, sem procurar julgá-lo, ou, tomar
posição sobre o problema. Em outros termos, tanto em relação a problemas éticos
quanto políticos, as ciências sociais
deveriam ser, rigorosamente, ciências
neutras.
Com isto, Weber
acaba colocando uma enorme distância entre aquilo que nós poderíamos chamar de
“teoria” e de “prática” . Como fica a relação da ciência com os problemas
práticos da vida? Ou seja, que tipo de ligação existe entre a teoria e a
prática em Weber? Segundo o autor, “as
ciências, tanto as normativas como as empíricas, podem prestar apenas um único
e inestimável serviço aos políticos e aos partidos concorrentes, que é
informá-los:
a) de que perante
determinado problema prático apenas são concebiveis estas ou aquelas tomadas de
posição “últimas” diferentes e;
b) de que a
situação que há de ter em conta no momento de escolher entre essas determinadas
posições se apresenta desta ou daquela maneira”(1991, p. 86).
Um bom exemplo
para entender esta questão poderia ser formulada da seguinte forma. Qual o melhor
sistema de governo para o Brasil: o sistema parlamentarista ou o sistema
presidencialista? Para Weber, não cabe ao sociólogo dizer qual deles é melhor.
O cientista deve apenas tentar apontar quais as conseqüências da adoção ou não
de um ou outro dos dois sistemas. Fazer a escolha por um dos sistemas de
governo é uma tarefa que cabe à
sociedade. Somente a ela cabe saber qual
dos “deuses” escolher!
Com estas
afirmações, Weber acabou deixando a ciência e os teóricos isolados de qualquer
movimento político. Se, por um lado, esta postura permitiu aos sociólogos uma
maior profissionalização de sua ciência (já que suas questões são
essencialmente teóricas); ao isolar a ciência da política, Weber deixou as
ciências humanas expostas ao perigo de tornarem-se ideologias de justificação
da ordem estabelecida, na medida em que elas estão impedidas de fornecer ou
apontar alguma solução prático-política para as questões sociais. Embora sua
reflexão seja muito mais sofisticada, neste ponto, Weber está muito mais
próximo de uma posição positivista.
5. Análises
políticas de Weber
Apesar de não
poder tomar partido nas questões políticas do dia-a-dia, a neutralidade
axiológica não significa que a sociologia não possa pesquisar a realidade política da sociedade. Pelo contrário, neste sentido, Weber deu grandes
contribuições para a sociologia política. Ainda que não possamos dedicar grande espaço para a variedade de
temas abordados por Weber, uma rápida resenha das principais questões
pesquisadas pelo autor, já nos permite compreender o alcance de sua obra.
a) Estado e
política
No texto “A
política como vocação”, Weber diz que
“devemos conceber o Estado contemporâneo como uma comunidade humana que, dentro
dos limites de determinado território – a noção de território corresponde a um
dos elementos essenciais do Estado – reinvindica o monopólio do uso legítimo da
violência física (...). Por política entenderemos, consequentemente, o conjunto
dos esforços feitos com vistas a participar do poder ou influenciar a divisão
do poder, seja entre Estados, seja no interior do próprio Estado” (1967, p.
56).
b) Poder e
dominação
Entre as
categorias mais utilizadas da sociologia
weberiana estão os conceitos de poder e de dominação. Poder é capacidade de
impor a própria vontade dentro de uma relação social. O conceito de poder deve
ser distingüido do conceito de dominação, que significa a probabilidade de
encontrar obediência a um determinado mandato. Para Weber, o que importa é analisar os fundamentos que
tornam legítima a autoridade, ou ainda, as razões internas que justificam a
dominação, que ele distingue segundo três tipos puros:
• Dominação legal
racional: a obediência apóia-se na crença na legalidade da lei e dos direitos
de mando das pessoas autorizadas a comandar pela lei;
• Dominação
tradicional: sua legitimidade apóia-se na crença de que o poder de mando têm um
caráter sagrado, herdado dos tempos
antigos.
• Dominação
carismática: a legitimidade da autoridade do líder carismático lhe é conferida
pelo afeto e confiança que os indivíduos depositam nele.
c) Burocracia e
democracia
Em Weber existe
uma das mais cuidadosas análises do fenômeno da organização burocrática. Ao
analisar as estruturas burocráticas da sociedade, Weber busca suas origens
históricas (Egito, Principado Romano, Estado Bizantino, Igreja Católica, China,
Estados europeus modernos e grandes empresas capitalistas modernas). Além
disso, ele analisa suas vantagens, suas tarefas, sua relação com o direito, os
meios de administração e muitos outros aspectos. Para Weber, a burocratização
da vida atinge a todas as esferas da vida social, não apenas o Estado. De
acordo com o autor “a burocracia moderna
funciona da seguinte forma específica.
1. Rege o
princípio de áreas de jurisdição fixas e oficiais, ordenadas de acordo com
regulamentos, ou seja, por leis ou por normas administrativas;
2. Os princípios
da hierarquia dos postos e níveis de
autoridades significam um sistema
firmemente ordenado de mando e subordinação, no qual há uma supervisão dos
postos inferiores pelos superiores;
3. A administração
de um cargo moderno se baseia em documentos escritos (os arquivos), preservados
em sua forma original ou em esboço;
4. A administração
burocrática (...)supõem um treinamento especializado e completo;
5. A atividade
oficial exige a plena capacidade de trabalho do funcionário, sendo o tempo e a
permanência na repartição delimitados;
6. O desempenho do
cargo segue regras gerais , mais ou menos estáveis ou exaustivas, e que podem
ser aprendidas “ (1982, p. 229-232).
Para Max
Weber, o crescimento do Estado e a complexidade
dos problemas que este têm de resolver, coloca sérios entraves para a
democracia, pois distancia o cidadão das decisões fundamentais. Neste quadro,
diz Weber, a democracia funciona apenas como um método de seleção: o cidadão
deve escolher os quadros para o governo do Estado.
d) Classe, estamento e partido
A grande novidade
da teoria da estratificação social de Weber, é buscar compreender as diferentes
posições do indivíduo na sociedade não a
partir de um único critério, mas a partir de sua inserção em várias esferas da
realidade. Portanto, se do ponto de vista econômico, as pessoas estão divididas
em “classes sociais”; do ponto de vista político elas se encontram em
diferentes “partidos” e quanto ao aspecto cultural, elas podem se diferenciar
em diferentes tipos de “estamentos”.
A classe diz
respeito aos interesses econômicos das pessoas e as diferenças na posse de
bens. O partido se relaciona com a diferente distribuição do poder e;
finalmente, o estamento tem a ver com os estilos de vida das camadas sociais,
juntamente com o prestígio e a honra conferidas a cada uma.
e) Político
profissional
No texto “A
política como vocação” , encontramos uma fascinante análise de Weber sobre a
origem e a condição do “político profissional” . De acordo com Weber, com o aparecimento do Estado, “em todos os
países do globo, nota-se o aparecimento de uma nova espécie de políticos
profissionais”. Na seqüência, ele
afirma: “ há duas maneiras de fazer
política. Ou se vive para a política ou se vive da política. Nessa oposição não
há nada de exclusivo. Muito ao contrário, em geral se fazem uma e outra coisa
ao mesmo tempo, tanto idealmente quanto na prática” . Em seguida, completa: “
Daquele que vê na política uma permanente fonte de rendas, diremos que “vive da
política” e diremos, no caso contrário, que “vive para a política” (1967, p. 62
e 64-65).
Ao refletir sobre
os desafios da vida política, Weber
percebe que os governantes estão divididos entre o apelo de uma “ética da
convicção” e uma “ética da
responsabilidade”. Na ética da convicção, o indivíduo permanece fiel às suas concepções e valores, independente das
conseqüências práticas que isto possa ter. No entanto, o político deve guiar-se
pela ética da responsabilidade e deve antes se perguntar pelas conseqüências de
suas ações e decisões. São as conseqüências políticas de sua decisões que
respondem pela moralidade de seus atos.
Weber deixa claro
que a ética da convicção não significa ausência de responsabilidade, nem que a
ética da responsabilidade implica em ausência de convicção. Todavia, completa:
“ não é possível conciliar a ética da convicção e a ética da responsabilidade,
assim como não é possível, se jamais se fizer qualquer concessão ao princípio
segundo o qual o fim justifica os meios, decretar, em nome da moral, qual o fim
que justifica um meio determinado” (idem,
p. 115).
5. BIBLIOGRAFIA
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Weber
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5.2. Textos
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Campinas: Unicamp, 1994.
TRAGTEMBERG,
Maurício. Burocracia e ideologia. 2. Ed. São Paulo: Ática, 1992.
CAPÍTULO IV
KARL MARX
Ao contrário de
Durkheim e Weber, Marx nunca foi um sociólogo de profissão. Toda sua obra foi construída tendo em vista
oferecer aos operários, explorados pelo
sistema capitalista, um entendimento das leis de funcionamento deste
sistema. Só assim, julgava Marx, seria possível construir um novo tipo de
sociedade: a sociedade socialista ou comunista.
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